segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Tecnologia dos não índios é ferramenta de desenvolvimento para indígenas

Tecnologia dos não índios é ferramenta de desenvolvimento para indígenas PDF Imprimir E-mail
Está em andamento desde segunda feira, dia 16, e vai até dia 20 de agosto, sexta feira, no Centro de Formação Povos da Floresta, da CPI/AC, um curso de Introdução a Informática para 13 Indígenas, formandos da 1ª turma de Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AAFIs), participantes do XVI Curso de Formação de AAFIs.
indigenas_no_computador
Os AAFIs solicitaram o curso depois que se depararam com a necessidade de enfrentar o computador na digitação e ilustração de suas pesquisas monográficas, que serão publicadas pelo Governo do Estado. As monografias são o resultado das pesquisas que os AAFIs fizeram em suas terras com temas do seu universo, da sua realidade: Patrimônio Cultural Imaterial, como histórias, cantorias, brincadeiras, religiosidade, místicas, e Materiais como artesanato, medicina da floresta e agricultura indígena, bem como políticas territoriais, foram os temas escolhidos para serem estudados. Como todo trabalho de conclusão de curso, foi preciso digitar, ilustrar e editar no computador. A CPI/AC, prevendo essa necessidade, utilizou a informática como tema transversal no Curso. Mas, o tempo destinado a esse aprendizado não foi o suficiente. Os Indígenas, fascinados com a tecnologia e dispostos a corresponder com a responsabilidade de publicação da monografia, quiseram mais.
A CPI/AC e seu Centro de Formação dos Povos da Floresta entendem que a inclusão e alfabetização digital, a informática é um forte instrumento que viabiliza a produção e divulgação da cultura indígena, dinamiza o acesso a informações relevantes e atuais, dá agilidade na realização de denúncias de crimes ambientais e facilita a comunicação e intercâmbio entre as aldeias, com outros povos e com as necessárias articulações e parcerias com o mundo não indígena. Unindo forças com associações indígenas, a FUNAI, a Associação de Cultura e Meio Ambiente e a Rede Povos da Floresta, a CPI/AC busca viabilizar o aprendizado desta ferramenta pelos parceiros indígenas, no desenvolvimento de seus projetos de produção cultural. Assim acontece com o projeto “Implantação de 30 Pontos de Cultura Indígena” desenvolvido pela Rede Povos da Floresta e Associação de Cultura e Meio Ambiente, em que, na parceria, a CPI/AC está responsável pela informática e produção cultural.

digitando
Nesse sentido, a solicitação dos AAFIs para maior conhecimento das ferramentas de informática demonstra a importância que ela tem para seus povos e a necessidade de conectividade das aldeias com o mundo. Para este curso, a CPI/AC e o Centro de Formação Povos da Floresta receberam o apoio do NTI - Núcleo de Tecnologia do Estado, e organizaram o curso de 40 horas para o aprendizado básico do Sistema Operacional, programas de Editor de Texto (Word) e Ilustrações (Paint), e internet.
  marcelo
Para o antropólogo e assessor da CPI/AC no Programa de Educação e Pesquisa Indígena, Marcelo Jardim, “o grande diferencial deste curso, além da digitação e edição das monografias, é o domínio do programa de ilustrações e desenhos. Para um Agente Agroflorestal Indígena, o desenho de sua realidade, das coisas do seu mundo, contribui com o seu trabalho. Funcionando como retrato, o desenho que o AAFI faz da sua aldeia e da sua terra, é a cartografia do seu território”. Esta ilustração, que é o mapa mental do AAFI, vai dar a dimensão do espaço e da localização de estruturas e de recursos naturais da sua terra, facilitando a gestão territorial e ambiental. Inclusive, é com esse mapa-desenho, que o AAFI e a comunidade podem detectar com mais rapidez, as possíveis ameaças à Terra, como trilha de traficantes, roubo de madeiras, invasão de não índios, predação de caça, etc.
Outro exercício de digitação e editoração de texto que os AAFIs estão fazendo é a formatação de Projetos de Cultura Indígena que querem desenvolver para concorrer ao Prêmio Culturas Indígenas da Fundação Elias Mansour. “Os Agentes Agroflorestais Indígenas sabem da importância de seu trabalho e querem participar do Edital. Então, estão aproveitando o acesso ao computador, aqui em Rio Branco, para organizar os formulários e participar do Prêmio deste ano”, diz Marcelo.

Alcinda
Para a professora Alcinda Lima, que já veio trabalhar com os indígenas parceiros da CPI/AC no curso de Informática para as lideranças dos Pontos de Cultura Indígenas, o “letramento digital é uma ferramenta que precisa estar a serviço de todos, independente de culturas ou qualquer outro elemento. Para os indígenas, assim como para outros que estão iniciando na informática, as dificuldades existem. Mas, apesar delas, os AAFIs estão assimilando a linguagem e os procedimentos”. Como professora, Alcinda se mostra admirada com a concentração dos alunos diante do computador. “Eles são muito compenetrados, se concentram bastante no que precisam fazer, alguns mais avançados já digitam com desenvoltura, mas todos eles estão interessados no que estão aprendendo”. Quanto ao programa de desenhos, Alcinda diz que é o que os AAFIs mais gostaram: “Eu trabalho o Paint para desenvolvimento da coordenação motora com o mouse, mas eles gostaram muito por conta da necessidade que eles tem e fizeram desenhos muito bons”.

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O AAFI Francisco Pereira de Aguiar, o seu Biná Kaxinawá, da Terra Indígena Alto Rio Purus, município de Santa Rosa do Purus, Aldeia Nova Moema, diz que a dificuldade é grande porque é a primeira vez que entra em contato com o computador: “é pela primeira vez que to participando, eu não tinha esse conhecimento, e a minha dificuldade é que eu não posso destrinchar, abrir ou encontrar onde estão as minhas pastas de documentos. Nos botões desse computador eu trabalho com as mais simples, que tem português porque eu entendo em português, mas tem umas outras que tem palavras estrangeiras que eu não conheço, que eu não entendo, e aí eu fico confuso com isso. Essa é a dificuldade”. Seu Biná, que tem o significado de seu nome na Caba que voa muito e é uma espécie muito unida (ninguém mexe em casa de Caba), disse também, que não foi difícil usar a ferramenta de desenhar no computador. Ele escolheu um tema muito importante para exercitar o seu traço no mouse: “com desenho, eu trabalho com lápis colorido desde 97. Na informática foi diferente, não foi mais com lápis e pincel, foi diretamente com o computador. Depois que peguei o mouse e o jeito de clicar, escolhi o tema ‘mata ciliar’, porque é importante saber o que tem na beira do rio e do igarapé pra poder proteger. Estamos trabalhando na preservação das fontes da água, por isso desenhei essa mata no computador e vou mostrar lá na comunidade”.
Mesmo os AAFIs que não tem Ponto de Cultura ou computador na sua aldeia, vão poder beneficiar a sua comunidade com esse aprendizado, indo até a cidade onde tem acesso à telecentros ou nas escolas que tem laboratórios de informática para digitar seus documentos, relatórios, trabalhos das escolas, etc.
Por Lígia Apel

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